[RESENHA] A TERRA INTEIRA E O CÉU INFINITO

Autora: Ruth Ozeki
Nº de Páginas: 462
Editora: Casa da Palavra/LeYa
Classificação:  cinco estrelas (mais como esse)
O que acontece quando um diário perdida encontra o leitor certo? Numa remota ilha do Canadá, a escritora Ruth cata mariscos com o marido na praia quando se depara com um saco plástico coberto de cracas que envolve uma lancheira da Hello Kitty. Dentro, encontra um livro de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, e se surpreende ao descobrir que o miolo, na verdade, é o diário de uma menina japonesa, Nao. A sacola misteriosa, segundo os rumores dos habitantes, é mais um dos destroços do último tsunami que devastou o Japão e foi levado pelas correntezas até a ilha.

Desde então, Ruth é tragada pela história do diário de Nao, uma menina que, para escapar de uma realidade de sofrimento – de bullying dos colegas e de um pai desempregado e suicida –, resolve passar seus últimos dias lendo as cartas do bisavô, um falecido piloto camicase da Segunda Guerra Mundial, e contando sobre a vida da avó, uma monja budista de 104 anos.
O que Ruth não esperava era que o diário iria levá-la a uma viagem onde ela e Nao podem finalmente se encontrar fora do tempo e do espaço.

Mesmo com medo de que o fantasma de um tal de Proust estivesse ainda agarrado ao miolo do “À la recherche du temps perdu”, onde uma artesã havia jogado fora os pensamentos dele, ela escreveu. Agora, no lugar onde ficavam seus pensamentos, Nao Yasutani escreveria os dela. 
No litoral canadense, Ruth Ozeki encontrava uma lancheira da Hello Kitty contendo um diário com as últimas palavras de uma garota, Nao Yasutani
Em um primeiro momento, Ruth se vê em um impasse: “Será que a dona do diário gostaria que Ruth se intrometesse na sua vida assim?”, mas de uma forma ou de outra, ela quer saber como aquelas palavras escritas em tinta roxa foram parar ali, praticamente no meio do nada. 

Mas já que são os meus últimos dias na Terra, também quero escrever alguma coisa relevante. Bom, talvez não relevante, porque não sei de nada relevante, mas algo que valha a pena. Quero deixar para trás algo verdadeiro.

página 28

Bem, a vida de Nao não é tão interessante assim. Ela sofre bullying todos os dias e tem um pai suicida. Nada na sua vida é interessante, a não ser Jiko, sua bisavó, ativista, monja e que vive a falar coisas incompreensíveis que sempre fazem sentido: “Em cima, embaixo, mesma coisa”. E é por causa de Jiko que Nao decide escrever o diário: ela teme que toda a sabedoria de sua bisavó se esvaia com sua morte, por isso ela decide escrevê-lo para alguém do futuro. 

Quando o de cima olha para cima, em cima está embaixo.
Quando o de baixo olha para baixo, embaixo está em cima.
Não-um, não-dois. Não são iguais. Não são diferentes.
página 46

A Terra Inteira e o Céu Infinito possui uma linha tênue que divide o presente (Ruth) e o passado (Nao), já que em grande parte dele, essas duas partes andam separadas, em que conseguimos distingui-las facilmente. No decorrer da narrativa a linha temporal (ou real-fictícia) passa de tênue para inexistente, em que o mundo real da Ruth influenciam diretamente o mundo da Nao e vice-versa. 
Em toda a narrativa, muitos assuntos são abordados, sejam eles bullying, questão ser-tempo, camicases, internet e principalmente suicídio, quer dizer... o livro todo gira em torno desse tema, o suicídio do tio-avô de Nao (Haruki nº 1) que era camicase, tentativas de suicídio do pai de Nao, pensamentos suicidas da própria Nao, e isso acaba fazendo o leitor analisar a situação e pensar sobre, na realidade pensar muuuuito sobre. Em dado momento do livro, fala-se que o suicídio é método para nos tornar mais real a sensação de estarmos vivos, confira o trecho completo: 

Hoje em dia, na cultura tecnológica moderna, às vezes ouvimos as pessoas reclamando que nada mais parece real. Tudo no mundo moderno é plástico ou digital ou virtual. Mas eu digo, a vida sempre foi assim! Assim é a vida! Até Platão discutiu que as coisas dessa vida são apenas sombras de formas. Então é isso o que quero dizer quando falo da sensação de mudança e irrealidade da vida. Talvez você queira me perguntar como é que o suicídio faz a vida parecer real? Bom, perfurando as ilusões . Perfurando os pixels e achando sangue. [...] Você consegue sentir a vida completamente ao tirá-la.

página 95

Acho que já devem ter percebido que a Ruth personagem do livro é a mesma Ruth que escreveu a estória. Pois é, A Terra Inteira e o Céu Infinito é um livro de autoficção, em que há traços autobiográficos em meio à sua trama fictícia, ou seja, a Ruth-que-escreveu também é, por exemplo, casada também com um Oliver, assim como no livro. 
Mas com o tempo que se leva para dizer agora, agora já está terminado. Já é antes. [...] Antes é o oposto de agora. Portanto, dizer agora destrói seu sentido, tornando-o exatamente o que não é. É como se a palavra estivesse cometendo suicídio ou algo desse gênero.
página 107

Não sei se foi essa verossimilhança ou se foi o fato de Ruth escrever perfeitamente bem que me fez acreditar que aquela história pudesse ser real, ela era tão... tangível... eu sofria e me preocupava junto com as personagens, me sentia próximo a eles. É para tanto que antes de eu escrever a resenha anotei no meu caderno: “Pesquisar se a história é verídica”, só por este fato dá para se notar o quão bem essa mulher escreve.
O exemplar foi disponibilizado pela editora LeYa, que, aliás, está de parabéns com o trabalho feito neste livro. Não localizei erros, o acabamento é um luxo com aqueles detalhes dourados e ainda tem a capa... EU AMO ESSA CAPA! Não sei se lembram, mas à algum tempo eu fiz um post em que devíamos escolher uma capa para este livro, todas as capas eram muito bonitas, mas fico feliz que esta tenha sido a escolhida (minha capa favorita \o/). 
Tenho receio que minha opinião venha afastar vocês do livro, pensando algo como: “Este livro vai me trazer pensamentos suicidas? Não o lerei” (o que não é nem um pouco a verdade), mas quem pensa assim estará cometendo um grande engano porque hoje, quando olho para A Terra Inteira e o Céu Infinito, penso: “E se não tivesse lido este livro, o que seria da minha vida?”. 
Por eu espero que você leia, já que...
Nada no mundo é concreto ou real, já que nada é permanente, e todas as coisas — inclusive árvores, animais, cascalho, montanhas, rios e até mesmo eu e você — estão apenas fluindo por enquanto.

página 115
Escrito por Otávio Braga

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